Momento Terapia: Você é mais bonito do que imagina!

Ao pé da letra podemos classificar a autoestima como característica de alguém que se valoriza, que dispõe de confiança em si mesmo e em suas ações, que apresenta satisfação com sua maneira de ser, com a sua forma de pensar e com sua aparência física, por exemplo.

Apenas nessa definição resumida em 3 linhas, encontramos vasto conteúdo subjetivo que renderia material para muitos e muitos textos, livros, documentários e afins, tamanha riqueza e complexidade do assunto.

Podemos traçar muitos paralelos sobre as reverberações que a autoestima trás, positiva e negativamente, para a vida como um todo. E sobre quantas de nós sente-se afetada pelo impacto de uma autoestima negativa, seja da aparência física, relacionamentos, carreira ou outra área da vida.

A autoestima é uma dinâmica de muitos saberes, envolve a compreensão global de uma pessoa – clínica, comportamental, social, familiar e psicológica – e resgatarei alguns pontos do texto passado para tratar do assunto.

Conforme já mencionei, vivemos hoje um momento em que o ideal de beleza é explorado além das capas de revistas e programas de TV, como ocorria no passado. Facebook, Instagram, Blogs, Snapchat, aplicativos de relacionamentos, tutoriais de maquiagem, canais de receitas fitness e vida saudável são alguns exemplos de como o “arsenal” tem se tornado pesado a cada dia.

Potencializou-se o apelo comercial, a cobrança e o julgamento social. A necessidade de autoafirmação através de um único padrão aceitável de beleza e sucesso.

Tudo isso soa como: não há mais desculpas para que você não seja perfeita! Olha quantas ferramentas você tem a sua disposição para construir um corpo perfeito e uma vida saudável!

E nós, mulheres reais, nos tornamos combatentes e vítimas do combate nesse cenário de guerra que exige o corpo perfeito, jovem, saudável e feliz eternamente. Uau! Haja resiliência para manter a sanidade intacta.

Pois bem, não bastasse esse arsenal externo ainda precisamos dar conta de um “juiz” bem severo que habita dentro de nós, que surgiu lá atrás, na maioria das vezes na nossa infância e que cresceu absorvendo todas essas mudanças e cobranças sociais e comportamentais ao longo dos anos, formando camadas e mais camadas de uma subjetividade negativa no nosso subconsciente. E que hoje, nos cobra ou nos joga na cara todas as nossas imperfeições.  

É de fato uma batalha e tanto manter-se sã e salva em meio a tudo isso, não se perder frente a tantas cobranças e desejos, na maioria das vezes irreais e inatingíveis.

Uma autoimagem e autoestima negativas, se constituem por diversos fatores. Somos o resultado da soma de todos os eventos positivos e negativos experienciados ao longo da vida. Se crescemos em um ambiente hostil, com muitas cobranças, culpas, pressão psicológica, pouca valorização pessoal, isso contribuirá negativamente para a formação da autoimagem e autoestima.

Faço aqui um parêntese, como um alerta importante para quem tem filhos pequenos ou adolescentes. Tomem cuidado para não repetirem com eles, as experiências dolorosas que vocês vivenciaram no passado com os seus pais ou no seu meio social.

A boa notícia é muitas dessas experiências podem ser reparadas, elaboradas de uma maneira diferente, mas precisamos jogar um pouco de luz no nosso quarto secreto do desejo pela perfeição e trazer muitos dos nossos questionamentos, inseguranças e angústias para serem confrontados com a luz da realidade. Assim, será possível re-significar muitas de nossas vivências, elabora medos, raiva e culpas e descobrir caminhos mais suaves para viver uma vida realmente mais saudável equilibrada e feliz.

O primeiro ponto que precisa ficar claro, é o de que você não é escrava do seu corpo, você TEM um corpo e não você É (do verbo SER) um corpo.

Essa distinção é muito primorosa, pois ao saber que você existe para além de uma definição corporal, abrem-se espaços internos para vivenciar e experimentar muitas de suas potencialidades, que talvez neste momento estejam aplacadas, acuadas, esquecidas, pela sua atenção totalmente voltada para o pensamento equivocado “meu corpo define quem eu sou”.

Não estou afirmando que não devemos ter hábitos de vida saudável ou que a aparência deve ser subestimada. Mas o preocupante é que, comportamentos de checagem ao corpo que antes observávamos apenas em pacientes diagnosticados com quadros de Transtornos Alimentares, são observados atualmente na população em geral, principalmente em mulheres.

Consultórios médicos, ambulatórios de psiquiatria, consultórios de psicologia e nutrição, academias, estão lotados por pessoas que se queixam de seus corpos. Muitas queixas são válidas e carecem dos respectivos tratamentos, mas muitas queixas vêm desse padrão de escravidão ao corpo. E é isso precisa ser combatido. E o melhor combate, na maioria das vezes, é sempre a informação!

É preciso cuidado para não ser literalmente “engolido” pelo mundo que determina, cobra e classifica pessoas com base no seu tipo corporal. É uma dinâmica de interação bastante complexa, pois pertencemos e estamos inseridos nesse mundo, mas precisamos construir e ativar nossos filtros internos para não sermos dominadas por ele.

Um exemplo corriqueiro que experimentamos na nossa micro realidade cotidiana: você já parou para pensar quantas fotos a sua amiga linda tirou antes de postar aquela self perfeita? Certamente inúmeras, assim como você, eu e todas as outras mulheres normais desse planeta. Mas o seu pensamento imediato é “como ela consegue ser assim e eu não? ”  “O problema sou eu, preciso correr atrás do prejuízo! ”

Pare, olhe para a realidade como ela de fato é (a imensa maioria das pessoas tiram inúmeras fotos, colocam filtros para correção da imagem, assistem tutoriais para descobrirem seus melhores ângulos e só depois de uns 10 cliques conseguem a tal foto perfeita). Tenha clareza disso e não se cobre tanto!

Faça as pazes com o seu espelho, talvez hoje, ele seja para você um grande dedo duro das suas imperfeições, uma espécie de “assistente” daquele juizão interno que mencionei acima. Pois bem, agora você já sabe que possui muitas potencialidades além do seu corpo, que tal um exercício diferente?

Da próxima vez em que estiver na frente do espelho, não foque o seu olhar naquela característica que você desaprova. Olhe para o que você gosta! E se agora você pensa, “poxa, mas eu não gosto de nada”, o exercício será ainda mais interessante, dedique tempo em se admirar e vasculhar cada cantinho da sua aparência, até encontrar algo que cative o seu olhar, que você possa dizer “huumm, eu gosto disso em mim”.

Lembre-se, para onde você concentra a sua atenção e energia, cresce e ganha importância. Se algo lhe desagrada: valorizar e concentrar a sua atenção nesse aspecto, só produzirá mais desagrado; o segredo é fazer a engrenagem girar do jeito certo. Valorizando o que é positivo sempre!

Se não se sente capaz de reverter o jogo e fazer a engrenagem funcionar harmoniosamente, busque ajuda especializada, não há porque ter medo ou vergonha, somos muitas e estamos todas no mesmo barco.

Vivemos um momento ímpar, todos esses avanços e dispositivos tecnológicos que são utilizados para escravizar e aprisionar muitas mulheres, podem ser usados para promover uma transformação do papel feminino, libertar e valorizar a nossa diversidade na sociedade.  Felizmente muitas marcas e serviços já se ligaram nessa necessidade e começam a se posicionar no mercado de forma bastante interessante.

E nós podemos trilhar um bonito caminho de transformação também! Por que ao invés de dedicar tanto tempo, do já tumultuado dia, na checagem de redes sociais, buscando a nova dieta, o exercício físico do momento ou do tal novo tratamento rejuvelhecedor, distribuindo likes e comentários que só reforçam a busca esquizofrênica pelo corpo / aparência ideal, não nos dedicamos de fato ao que realmente importa: um novo projeto profissional, um tempo para relaxar sozinha ou dar risadas entre amigos, o planejamento de uma viagem com o namorado ou marido, são apenas alguns exemplos.

Ter um corpo incrível, usar manequim P ou PP, minimizar as rugas, só promoverá felicidade até o surgimento de um novo desejo. E nós somos sujeitos desejantes, já dizia o nosso querido Freud. Somos uma fonte inesgotável de desejos, é o que nos move, nos mantem vivos. E não podemos deixar que essa busca desenfreada pelo enquadramento em um padrão de beleza, mascare e aplaque os nossos verdadeiros e maiores desejos. Como por exemplo: nos sentir amadas, respeitadas, valorizadas, seguras, confiantes dentre tantos outros.

É crueldade viver a ilusão de que, ao se atingir determinado padrão estético, esses grandes desejos se tornarão realidade. Não se tornarão, o espaço seguirá vazio até que seja preenchido pelo que realmente importa. O ciclo cobrança social X necessidade de aceitação X sentimento de impotência e inferioridade precisa ser rompido, em nome da saúde física e emocional.

 

Adoro ver celebridades em momentos “gente como a gente” (sem maquiagem, fazendo supermercado, levando filho à escola), amo quando vazam campanhas publicitárias sem retoques digitais nas modelos. É um sininho soando: bem-vindas ao mundo real e humano, é assim que as pessoas são é aqui no mundo real que a vida acontece!  

E somos todas humanas, sujeitas a dias bons e outros tempestivos. Vivemos dias em que somos divas e outros em que cabelo desgrenhado ganha a batalha. E essa é graça, essa a vida real que vale a pena ser vivida.

Talvez você não esteja na sua melhor forma e o cuidado dedicado ao seu corpo é um gesto de amor próprio, sem dúvidas, mas não se permita, sob hipótese alguma, se transformar numa escrava do seu próprio corpo, só porque alguém que nunca te viu ou sabe nada sobre a vida, diz que é preciso ter o corpo assim ou assado para se sentir feliz e realizada.

Afugente qualquer pensamento negativo referente a sua autoimagem e desenvolva a capacidade de se olhar com amorosidade e respeito. É o que você merece.

Você não é apenas um corpo, você carrega em seu corpo a história de quem você é. Como todo mundo, a sua história tem capítulos sofridos, mas de um modo geral você carrega uma bonita história, honre tudo isso e seja feliz da maneira que consegue. Invista na realização dos seus grandes desejos e acredite, você é mais bonita do que imagina!     

Marleide Rocha

Marleide Rocha

Marleide Rocha, psicóloga (CRP 95323), é especialista no tratamento da Obesidade, membro da Sociedade Brasileira de Coaching e da European Network for Positive Psychology e da APPAL - Associação de Psicologia Positiva da América Latina. Nossa colunista escreve aos sábados no Comethica. Acompanhe-a no www.marleiderochapsicologia.com.br.

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